Voltar

Como uma galeria de arte e uma antiga barbearia se transformaram num restaurante

setembro 23, 2020 11:58 am

Esta é mais uma história verídica entre muitas sobre a mítica Papelaria Araújo & Sobrinho.

No centro da “velha” cidade do Porto, junto à Rua das Flores, a artéria principal da zona histórica nasceu um restaurante que já foi uma galeria de arte e uma barbearia. Como é que isto acontece? Certamente, que já ouviu falar da Papelaria Araújo & Sobrinho (se ainda não conhece aqui tem a história, para ler em 3 minutos ou menos). A galeria de que falo e a barbearia eram espaços dentro do edifício da papelaria – que já foi um mundo com muitos metros quadrados, com todo o rés-do-chão do prédio ocupado e andares superiores.

Desde 1829, ano de lançamento, que a papelaria foi crescendo para dar resposta à procura; a oferta de produtos aumentou e o volume de negócios também. A uma certa altura o número de colaboradores era já considerável e surgiu a ideia de fazer um espaço exclusivo de barbearia para comodidade dos colaboradores, hoje a zona de apoio do restaurante.

A agora sala de refeição era a loja da papelaria e também um lugar de exposição de pinturas de artistas ainda desconhecidas do público ( embora as obras estivessem espalhadas por toda a papelaria que no fundo funcionava como uma galeria improvisada, não havia um sítio de exposição único).

Na papelaria Araújo & Sobrinho existia de tudo o que dizia respeito a pintura e escultura. A maioria dos pintores da cidade, dos arredores e do país eram clientes. “Havia artistas que não tinham dinheiro e pagavam com quadros, que eram oferecidos ou expostos para venda”, conta Henrique Araújo, bisneto do fundador. 

Era, sem dúvida, um sítio ideal para expor. Com uma montra para o Largo de São Domingos, onde no século XIX, passava um corrupio de gente e de carros puxados a cavalos para frequentar as lojas de mercadores e ourives da Rua das Flores. O Porto era uma cidade mercantil das mais importantes da Europa, com o comércio do Vinho do Porto a expandir.

O atual Galeria do Largo tem alma de pintores e comerciantes bem-sucedidos que ali um dia conviveram e trocaram segredos.

Na altura em que o projeto do grupo Lux Hotels, desenhado pelo estúdio Arquitectos Aliados, deu os primeiros passos já se sabia que na parte frontal do prédio seria o local do restaurante do hotel, por toda a simbologia do espaço e a arquitetura das janelas com vidros grandes para o centro histórico. Na decoração existe mobiliário bem trabalhado, inspirado nos móveis antigos da papelaria (balcões, armários), o objetivo é recriar um pouco da história do que foi a sala, incluindo cadeiras inspiradas nas cadeiras antigas dos cafés do Porto: levar os clientes a viajar no tempo.

As paredes mostram a dimensão genealógica e histórica da família Araújo, com quadros das diferentes gerações de proprietários. As pinturas são obras de artistas notáveis da cidade do Porto: Souza Pinto (1856-1939) e António Carneiro (1872-1930), desconhecidos do público naqueles tempos em que iam à papelaria adquirir materiais diversos.

Em 2020, no Galeria de Largo, não se pinta nem corta a barba, em vez disso executa-se a arte de comer e cozinhar.

Anabela Oliveira

Tag:

Voltar